“Durante décadas, o mundo se viu refletido em um espelho só: o comércio era previsível, os fluxos estavam ancorados, as curvas de juros reagiam aos fundamentos. O ano nos mostra que esse espelho quebrou. Ainda enxergamos nossas imagens, mas em pedaços desconexos — cada um refletindo um risco, uma versão da verdade, uma direção possível.”
O Espelho Trincado
Julho nos revelou uma realidade fragmentada. Os indicadores econômicos seguem produzindo imagens conhecidas, mas com reflexos cada vez mais distorcidos. O que antes era previsível — a reatividade das curvas de juros, os fluxos comerciais, os ciclos de política monetária — agora se projeta em pedaços de vidro fraturados. A economia global se transformou num espelho trincado: cada fragmento conta uma parte da história, mas é preciso interpretar o conjunto para enxergar com clareza.
Panorama Global: reflexos desconexos
O FMI revisou para cima o crescimento mundial de 2025, agora estimado em 3,0%. É uma melhoria tímida, sustentada pela resiliência do consumo americano e por um leve relaxamento na guerra tarifária, marcada pelas negociações de extensão da trégua comercial entre Estados Unidos e China por mais 90 dias, que concordaram em não aplicar novas tarifas até o fim destas negociações. A última rodada foi em Estocolmo.
Porém, é uma melhoria de vidro fino: a escalada de tensões entre EUA e China pode acontecer a qualquer momento, já que as negociações já se arrastam a meses, e a imprevisibilidade política americana — especialmente sob a segunda gestão Trump — adiciona volatilidade aos mercados.
O Fed manteve os juros inalterados entre 4,25% e 4,50%, adotando um tom de cautela em meio a sinais mistos: atividade econômica ainda firme, mas inflação persistente. Trump, por sua vez, intensificou pressões públicas para cortes imediatos, inclusive em tom de ameaça ao cargo do presidente do FED, Jerome Powell. O FMI, a esta altura, já lançou um alerta sobre o risco institucional de se comprometer a independência dos bancos centrais em regimes de exceção política.
As guerras comerciais e os bloqueios geopolíticos moldam uma nova arquitetura de trocas. O capital circula, mas com freios táticos. As cadeias globais se fragmentam em blocos cada vez mais regionais. A lógica da eficiência perde lugar para a da segurança estratégica.
Brasil: a imagem rachada
O IPCA-15 de julho subiu 0,33%, acima da leitura de junho, com inflação acumulada em 12 meses em 5,30%. As expectativas do mercado se ajustam para cima, enquanto o Banco Central sinaliza a manutenção da Selic em patamares elevados. A curva de juros reflete não apenas fundamentos econômicos, mas também um prêmio de risco fiscal persistente. Incrivelmente a culpa nunca é própria, já foi do ex-presidente do BACEN, Roberto Campos, dos empresários que não baixam preço, do consumidor que não quer comer abóbora, dos ricos que são contra os pobres e agora é do imperialismo americano.
O crescimento segue morno, sustentado por transferências governamentais diretas (que mantêm o consumo básico aquecido), mercado de trabalho resiliente e um certo impulso do crédito. Mas a preocupação estrutural permanece: a dívida bruta se aproxima de 90% do PIB e as metas fiscais foram desidratadas por narrativas de “flexibilização”.
O reflexo brasileiro no espelho internacional está mais opaco. As decisões judiciais contraditórias, os acenos ambíguos às ditaduras e o alinhamento errático da diplomacia com regimes autoritários minam nossa imagem externa. Investidores internacionais, atentos, cobram o custo dessa opacidade nas curvas longas.
Não há mais em nenhum vértice "visível", taxa de juros abaixo de 2 dígitos.
Gráfico 1 - Curva longa de juros
Fonte Anbima acessado em 29/07/2025
O Brasil como bode expiatório geopolítico
O mês ainda revelou fissuras mais profundas nas relações internacionais — reflexos distorcidos de uma ordem que já não se sustenta em consensos, mas em imposições. A decisão dos Estados Unidos de aplicar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, sob a justificativa simbólica de retaliação política, escancarou a lógica de um mundo onde o custo da dissonância é cobrado com imposto.
O Brasil, longe de ser visto como parceiro neutro ou confiável, tornou-se para Washington o exemplo mais conveniente de punição estratégica. A ambiguidade diplomática diante de regimes autoritários, a retórica de desconfiança contra instituições ocidentais e os ruídos crescentes no campo jurídico-institucional enfraqueceram nossa posição geopolítica. Trump não mira um aliado: mira um desafeto útil.
A relação risco-retorno da retaliação é, sob a ótica norte-americana, positiva: o prejuízo setorial interno é absorvível, mas o recado ao mundo é claro — quem tentar negociar em múltiplos tabuleiros será taxado com força total. Mais que comércio, trata-se de disciplina geopolítica.
A mensagem parece: em tempos de Guerra Fria Comercial, você tem que escolher um lado.
Leitura Estratégica e Alocação Patrimonial
Os sinais projetados neste espelho global fragmentado exigem mais do que reatividade: pedem discernimento. A combinação de juros elevados, tensões comerciais e inflação persistente nos obrigam a equilibrar prudência com oportunidade.
No Brasil, a inflação acima da meta combinada a um risco fiscal mal endereçado ainda impõe uma taxa de juros estruturalmente alta. Os ativos indexados à inflação e ao CDI mantêm relevância não por preferência tática, mas por necessidade de preservação real de capital.
No exterior, a postura do Federal Reserve é de vigilância prolongada. A manutenção dos juros por mais tempo reforça a atratividade relativa de títulos curtos em dólar, especialmente em um mundo que ainda busca clareza quanto ao próximo ciclo monetário.
O espaço para risco permanece restrito. A Bolsa segue lateralizada desde 2021. Multimercados precisam comprovar assimetria, ativos reais defensivos e posições cambiais bem calibradas. Estes têm sido elementos importantes para preservar portfólios em meio ao ruído.
Não se trata de ser conservador por convicção, mas de ser seletivo por inteligência. Diante de uma economia que reflete múltiplas verdades em pedaços trincados, é no exercício disciplinado da análise que reside a verdadeira proteção do patrimônio.
Julho nos lembra que interpretar a economia não é olhar para uma imagem estática. É decifrar pedaços em conflito, é desconfiar da superfície polida.
A função de um Multi-Family Office, a função da Ascenda, é justamente essa: entender o que cada pedaço do espelho macroeconômico está dizendo. E saber que, mesmo sem reflexo nítido, há sempre um caminho seguro para proteger e expandir patrimônio.
Seguimos atentos, disciplinados e estrategicamente posicionados.
Ascenda Wealth Construindo significado patrimonial em tempos de reflexos quebrados.